outubro 16, 2005

The Lurker´s Guide to Hispania (ou pela hispânia-gálica, if you will)

A propósito de uma viajante, que vai passar uma temporada na Península Ibérica vamos a uma rápida passagem pelas terras da Espanha, shall we? Estive por lá pela primeira vez, pelos idos de 1990, retornando duas vezes depois disso em 95 e 98. Indo do sul para o norte, pude ter uma idéia clara das diversas "comunidades autônomas" como eles gostam de se chamar. Sim, a Espanha são cinco "países" dentro de um só (Castilla, Léon, Aragón, Cataluña e País Bazco), seguindo um tanto a linha que os suíços implantaram, só que não é uma federação.

Primeiro alerta: NÃO voe Ibéria. Atravesse o Atlântico a nado, volte na caravela de Colombo, mas NÃO voe Ibéria. A companhia é muito ruim, não somente por ser estatal, mas porque a manutenção das aeronaves é uma coisa lamentável. A comida é intragável e o tratamento é... bem... depois não diga que não avisei. Na dúvida, vá de TAP ou de Alitália que tem promoções interessantes, incluindo até descontos em aluguéis de veículos e coisas assim.

Então, como disse, vindo do sul para o norte, uma das localidades mais interessantes, sem dúvida, é Mallorca. Esta é uma das ilhas Balleares, que junto com Minorca, Formentera e Ibiza formam o quadrilátero de ouro do Mediterrâneo catalão. Das três a mais conhecida é Ibiza, por conta das posturas, digamos, liberais da população e, em particular, da pouca roupa com que os turistas circulam em suas praias. Ibiza é sinônimo de verão, gente bonita, noites sem fim e muito, muito dinheiro. As ilhas são famosas desde a antiguidade e envoltas em mito: teria sido lá que Hércules encontrou o jardim das Hespérides, aonde foi atrás dos famosos pomos de ouro e motivo pelo qual teria sustentado o peso do firmamento para que Atlas pudesse resgatar o que, no fim das contas, eram tão somente laranjas - e é por isso que as ilhas são tão ricas em cítricos. Mas chega de trívia.

Como quase tudo na Espanha, as Balleares são um território eivado de regionalismo e, da mesma forma que se observa no continente, possui inclusive seu idioma particular - dito mallorqui. O dialeto é bastante próximo do catalão e vale a pena tentar absorver alguma coisa. Vale a pena aprender algumas expressões idiomáticas para demonstrar interesse pela cultura local: como a maioria dos espanhóis, eles são muito ciosos de suas raízes.

As ilhas foram invadidas e ocupadas por quase todo mundo: romanos, bizantinos, mouros, vândalos, ingleses, you name it. Então esteja preparado para um mélange arquitetônico de fechar o comércio. E para uma vida cultural muito intensa, em especial à noite. Neste particular, uma casa noturna que merece sua visitação é a Pacha, que com seus três andares e diversos ambientes consegue ser bastante eclética. O lounge mais interessante é o que fica no segundo andar. A varanda também é especial - um refúgio para o calor de dentro. O serviço é de primeira mas os preços são escorchantes, não se assuste com os nove euros por um red label. Quase caí duro... literalmente.


A boa notícia é que sua carteira de motorista brasileira serve para dirigir na Espanha (pelo menos servia até 98). Vá em frente e alugue um Fiesta ou Mégane que compensa. Como você pode ver, as rodovias são poucas, mas um tanto concorridas. E o trânsito espanhol é quase tão ruim quanto o de São Paulo, de maneira que não deve lhe causar grande desconforto. Contudo, os locais são mais rudes no trato com os estrangeiros. Então, os pontos para visitar fora dos centros são: Valldemossa, Cartuja, e Ses Murteres (todos na seqüência da via C-710), Las Cuevas Del Drach, a Catedral e o Castell de Belver (muitas histórias de templários por aqui).

In a nutshell:

1) O que comprar: pérolas "fabricadas" Majorica. Fique atenta à qualidade e a esta marca específica. Existem outras similares, mas não caia na tentação: vende-se coisa de baixa qualidade e você só vai descobrir depois... bem depois. Valem também artigos de couro mais ao norte da ilha. E não deixe de parar em uma das diversas caves que fazem degustação de licor.

2) O que comer: Restaurante Ses Porxeres oferece cozinha típica da Catalunha - servem igualmente carne de caça. Mais elegante e um tanto pretensioso tem-se o Parlament - experimente o risoto de lagosta.

3) Onde dormir: Palas Atenea Hotel Mallorca Island - um quatro estrelas bem decente, com preços razoáveis e bom atendimento. Peça um quarto voltado para a praia e você não se arrepende.

The Lurker Says: Cataluña més que mái!

outubro 10, 2005

The Lurker e a Paternidade (ou ainda bem que o tempo só passa para mim).

Neste sábado, 15 de outubro de 2005, minha primeira filha comemorará seus primeiros dez anos de vida. Concebida com carinho, sua gestação foi trabalhosa, cheia de cuidados, idas e vindas, atenções por sua condição de primeira; única em sua especial maneira de ser. A inexperiência complicava nosso avanço de pais, a ignorância nos dificultava a caminhada e a fez mais árdua do que deveria ser. Com o tempo, e o zelo, nasceu saudável e a observávamos com a esperança de quem vê toda uma vida pela frente - um mundo de possibilidades se abriu diante de nossos olhos. Tínhamos orgulho dela e ela nos correspondia, crescendo e mostrando seu valor a cada dia.

Fomos muito felizes no tempo em que estivemos juntos. Pude vê-la crescer e andar com suas próprias pernas, ter idéias, teimar como toda criança, passar por momentos difíceis e superar obstáculos por seus próprios meios. E a cada vitória, enchia-nos de orgulho. Muitos foram os sacrifícios, as horas sem dormir, as brigas e as alegrias também. A pequena se fortaleceu, ficou robusta - sua personalidade se firmava.

A lei é dura, mas é lei, já diziam os romanos. E, no fim das contas, foram leis às quais aceitamos nos submeter - e em última análise, ajudamos a escrever, porque não? Chegou o momento da separação. E esta foi sofrida, como toda ruptura, como aquilo que é imposto, mas necessário - era preciso; a marcha continua. Nada que foi criado com tanta atenção e carinho poderia ser deixado para trás sem algum sofrimento. Ficou-nos a saudade dos tempos juntos. Mas é preciso seguir em frente.

A distância não nos afastou, contudo... apenas prosseguimos acompanhando sua evolução ao longe, vendo-a ganhar asas e galgar novos caminhos, agora levando apenas o espírito, a marca de seus pais. E, a cada período, novas pessoas vinham se agregar a seu conjunto de amigos, participantes de seu crescimento, criadores e criaturas, dentro do mesmo ciclo, de vida e de aprendizagem. Pessoas essas que, como eu, ao final de seu ciclo também se afastavam, mas que não a perdiam de vista. E que também diziam da importância de ter partilhado com ela uma parte de sua vida, de tê-la conhecido.

Dez anos... e se passaram como dez dias. Nesta década, centenas de amigos chegaram e saíram de sua vida. Pessoas que trabalharam, estudaram, aprenderam, amaram, lutaram e venceram, de suas maneiras particulares, e que dela tiraram o tanto que colocaram. E que nela também deixaram um pouco de si. Alguns mais afortunados, dela receberam muito mais do que investiram. Ouso dizer que sou um desses, aos quais, quando é dado saber de uma nova vitória, de um novo passo, inflama-se de orgulho - por seu trabalho e pelo dos outros. E isso, como o bem que se faz e o amor que se dá, de peito aberto, é o que faz valer a caminhada. A vida não é o destino, mas a caminhada.

Enfim, parabéns PRAXIS, nossa filha. Erguemos nossas taças em sua homenagem, desejando que, assim como estes primeiros dez anos, outros, muitos se sucedam. Desejamos a você os desafios, a garra, a coragem e a força para continuar se desenvolvendo. Que continue a deixar sua influência em muitas mais vidas, como fez na minha e na de tantos outros. Que possamos ouvir que se criou o diferencial competitivo dos profissionais aperfeiçoados sob suas asas. Que a criatividade e a ousadia continuem a ser a sua marca. E que Deus a abençoe.

**** UPDATE **** 16/10/2005

No dia de ontem, 15 de outubro, pela manhã, fiz veicular o texto acima na rede. Não esperava, nem por hipótese, que a reação fosse ser da ordem que se deu. No fim das contas, na parte séria da festa, o texto foi lido para a audiência geral pela atual presidente da empresa.

Mixed feelings: escrevi apenas para dizer algo que, em minha opinião, era interessante que se registrasse, não para ter este tipo de publicidade. Mas achei interessantes as reações de amigos antigos e novos.

**** END UPDATE ****

The Lurker Says: Memento, homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris
(Lembra-te, homem, que és pó e em pó te tornarás)

agosto 21, 2005

The Lurker: Diário de uma Terra Estranha - Caderno XX: O Sagrado e o Profano...

#### Warning - Long Post Ahead ####

Logo no início da narrativa havia ainda alguma dúvida sobre a eventualidade da mal-amada ter visto de entrada nos EUA. Saibam, pois, todos que o presente lerem que a ressaca persegue os ébrios contumazes, e possivelmente os eventuais, agora em três continentes... Bolas. De repente eu tinha certeza que todos os segredos da administração Clinton estavam lacrados em meu crânio. Devia ser por isso que estes pequenos gnomos republicanos tentavam abri-lo a golpes de machado...

Desci à deli em frente do hotel. Estava fechada: problemas com o gás encanado. Bem, não é como se faltasse onde tomar o desjejum em NY. Então o McHale's Café, convenientemente ali perto deve ser o canto interessante do momento... se o problema do gás não atingir a rua inteira... O Café fica na 46, com indicação de existência dada por um velho e vermelho letreiro de néon: RESTAURANT (no, really? You don't say!) O McHale's é um restaurante à moda antiga, não exatamente uma deli convencional. Uma de suas vantagens é estar fora do circuito turístico então, fora o eventual estudante da CUNY você deve ter a paz de não ser importunado pela multitude de turistas malcriados que assaltam NY pelo meio da semana. E, no meu caso, foi uma boa ocasião para bater um papo com alguns locais (Go Peckers!). Segundo a crônica, o McHale's permanence o mesmo desde a década de 50 - go figure. Dois Colombian Black extra-short, um bagel com bacon extra-crisp e um balde de capuccino extra-large depois, os elfos republicanos parecem ter perdido seu élan e resolvido ir amolar Miss Lewinsky. Good ridance!

Quarta-feira era dia de banco. Minha tia havia me pedido que trocasse cerca de três mil dólares em notas que, segundo ela, estavam antigas. Fui ao Banco do Brasil somente para descobrir que ele agora não fica onde morava antes, na 7th com 42, mas no Rockfeller Center, entrando pelo nº 600. Ora, acontece que o banco não presta este tipo de serviço. Aliás, nenhum banco faz isso! Ou melhor, faz, mas cobra uma taxa de 18% (e nós reclamando de nossos bancos). Agora, cabe uma menção honrosa a uma moça chamada Sônia, do BB/NY. Uma cortesia exemplar e uma simpatia de pessoa. Permitiu-me inclusive ligar para o Brasil para confirmar a operação que, claro, foi abortada na origem.

Atravessando o Rockfeller na direção da avenida é impossível deixar de ver a Catedral de Saint Patrick. Foi interessante porque havia um ensaio de corais e aproveitei para assistir as apresentações, que, diga-se de passagem, estavam muito boas e pareciam ser preparação para algum evento maior em outro momento. A organização estava muito boa e a escolha das músicas interessante. E eu já sou um bobo para ouvir Amazing Grace... O resto do dia foi tranqüilo, então, passemos logo para a noite.

Eu bem que pensei em dar uma fugida no circuito Off Broadway, área onde sucessos como STOMP e RENT nasceram originalmente. Mas, com este clima fora de esquadro, achei melhor ficar com o conhecido. De mais a mais a única coisa que me havia interessado já estava lotada. Dentro do convencional tínhamos Billy Crystal com seus '700 sundays'; 'Spamalot', baseado, entre outras coisas no filme Camelot, de Monty Python, com texto de Eric Idle; 'La Cage Aux Foles', com o Daniel Davis, que é um ator de comédias absolutamente hilário (mas a peça estava em cartaz no Marquis, que sempre é muito disputado, então é melhor nem pensar). Acabei optando por 'The Producers', com texto do Mel Brooks.


The Producers é uma comédia de erros em que dois produtores da Broadway decidem montar um musical para enriquecer. A lógica, para que isto ocorra, é a de que tudo dê errado com a peça e que eles embolsem o dinheiro dos investidores. Para isso, elegem o pior roteiro disponível, adicionando os piores atores, cenário, coreógrafo, diretores, etc. A peça chama-se 'Springtime for Hitler', o que confirma o adágio de porque Brooks é o judeu que mais adora os nazistas: ele fez fortuna com a sátira a eles. No musical, o show, por milagre, dá certo e é um tremendo sucesso, complicando a vida dos produtores, vividos por Richard Kind (Max 'Biali' Bialystock) e Alan Ruck (Leo Bloom). No intervalo fiz amizade com um casal de canadenses. Small talk sobre temas diversos, mas nada realmente que interessasse.

Animado com o início da noite, decidi esticar no bar do Hotel Edison, que sempre proporcionou boa diversão, com trechos de musicais sendo tocadas e cantadas pelos freqüentadores. Cheguei por volta das 8h45 e sentei no único banco disponível no balcão. Ali conheci Laura, americana de uma cidade perto de Boston cujo no me foge, e sua mãe Patrícia. Ambas de passagem por NY para resolver problemas familiares e aproveitando a cidade que apreciam pela vida cultural. Laura é uma moça de seus 20 something de cabelos pretos e olhos verdes, um tipo interessante, mesmo para padrões brasileiros - mas total e irremediavelmente doida, como se verá a seguir. Cuidando do trio tínhamos o jovem Bob Strassel e no piano a talentosa Karen Brown. E assim apresento nosso dramatis personae para esta cena.

Mal tiro luvas e cachecol, Laura me aborda, querendo informações sobre a peça (a Playbill na minha mão foi 'kind off a give away'). Daí passamos para o clássico 'I can't quite place your accent' que aliás foi recursivo nesta viagem. Pensavam que eu era russo, eslavo, algo assim... go figure. Bob passa um bom tempo rondando-nos, com evidente interesse na moça e providencia-me um 'xtra dry Martini - dirty' de fechar o comércio enquanto Karen se esmera atendendo ao um pedido de um cavalheiro que não ia sossegar se não cantasse 'Bring Him Home' - uma de minhas cenas favoritas de Les Miserables... mas extremamente depressiva, como pode-se ouvir. Mentalmente desejei sorte ao Bob em seu intento com sua compatriota, mas pelo rumo que a coisa ia indo, não apostei minhas fichas nele.

Laura, em seu segundo drinque já estava um tanto 'solta' e resolveu ir fumar. Em NY se você quiser, tem que ir fumar fora do estabelecimento - novos tempos, novas leis. E fique feliz. Neste ínterim, prosseguimos o agradável colóquio a três sobre a experiência de Patrícia na qualidade de alguma coisa grande no sistema educacional de Boston. Ficou muito impressionada pelo fato de eu trabalhar para uma agência da ONU - ela acredita que o papel dos EUA na organização precisa ser levado mais a sério pela administração do arbusto.

Para espanto de Patrícia sua filha retorna da rua com Samuel, um homeless que ela conhecera em sua pausa para tabaco, enquanto aquele vendia jornal (evening edition) a 27ºF. Pede então um 'screwdriver' para ajudar a aquecê-lo. Bob, que é um cavalheiro, mas também é um profissional e sabe as conseqüências que este atendimento pode implicar, traz o drinque, mas pede a Samuel: Make it a quick one.

Quantas vezes você teve a oportunidade de ter uma conversa civilizada com um homeless em Nova Iorque? Bem, eu tive, em uma situação de relativo conforto. E, com minha irrefreável curiosidade de cientista social, inquiri sobre diversos aspectos de sua vida, que débâcle o levara à atual condição e por aí fui. Ocorre que Samuel é mais um refugiado da administração Bush e sua política de exportação de empregos. Bem, alguém tem que perder... e no caso é a classe baixa e negra estadunidense. Pitty. Lá pelas tantas Samuel interrompe a conversa e, de uma maneira extremamente elegante, consegue faz sua saída à francesa. O alívio de Bob fica estampado na cara quando me traz meu terceiro Martini... a esta altura nós já estávamos chapinhas: This is on the house, ele diz.

Karen engrena de Lion King, o musical da Disney que desta vez está em cartaz na Broadway. Nisso, Laura que havia saído com um certo Bill, supostamente ator que fez um 'try-out' para um comercial de empresa financeira, retorna com o telefone do bicho em um guardanapo. Com a classe de um peregrino que traz um escalpo pela mão, mostra-me o negócio e emenda algo semelhante a 'how easy can man be'. Aí já foi demais. O que éramos Bob e eu? Duas alfaces? Nesse momento Laura ganhou seu selo de louca-de-pedra e o pobre Bob guardou seus ferormônios. Pouco depois, Patrícia vendo que a filha já tinha tomando 'one too many' recolheu-a ao apartamento. No fim das contas, a mãe foi companhia muito mais interessante do que a filha. Classe e refinamento é uma coisa que vem com a experiência... Figures... Como diria Bernard Shaw 'A juventude é uma coisa linda. Pena ser desperdiçada nos jovens'. :-)

Com a saída da dupla, Bob a esta altura já me servia free martinis by the dozen e o bar se esvaziava: 'last round, every one! Bar is closing'. Disceramente ele diz que isso não vale para mim... Resultado: ficamos ele, Karen, a gerente do estabelecimento e eu de papo até cerca de três da manhã. Desnecessário dizer que no fim das contas, como Laura, eu também estava com mais de um drinque além da conta. Quando saímos, novamente agradeci meu bom senso de ter escolhido um local próximo ao Plaza... fui trupicando até o hotel, arrastei-me até meu quarto e desabei, mal tendo tempo de tirar capa e demais assessórios que me haviam protegido da fúria dos flurries ensandecidos na madrugada gelada da Broadway.

The Lurker Says: Words are loaded pistols. (Jean Paul Sartre).
A seguir o cadeno XXII - Should I stay or should I go?

agosto 15, 2005

The Lurker: Diário de uma Terra Estranha - Caderno XIX: Nighty, nighty...

Uma coisa interessante, after a fashion, é a 'anima' que parece estar regendo a lógica americana estes dias. Hmmm...lógica americana soa como contradição de termos? Algo como inteligência militar? Mas é. Todas as pessoas com quem conversei até agora acham que o presidente 'arbusto' é um néscio. São unânimes em sua incredulidade quanto ao fato do 'shrub' ter permanecido no poder e até sentem-se um tanto acabrunhados com isso. Deve ser porque Nova Iorque e Pensilvânia são blue states. Não obstante, os símbolos de patriotismo, que aqui ultrapassam o ufanismo, estão por toda parte e, para se entrar em uma série de lugares públicos têm-se que passar pelas fatídicas máquinas de raios-x. A neura come solta.

Quanto mais me lembro do processo de tomada de poder pelos nazistas em 32 na Alemanha, mais parecida eu acho a situação por aqui. Ou seja, o pessoal 'do contra' se manifesta pouco e os que mexem a sério tomam uma queimada grossa, como acaba de acontecer com um diretor e três altos executivos da ABC, por conta de documentos que, segundo o stablishment são falsos. Devem ser mesmo: falam mal do 'serviço militar' prestado (?) pelo 'shrub'.

Dediquei a manhã a algumas visitas necessárias e almocei num simpático café na esquina da 7th com a 57W. Acho que foi a primeira refeição convencional que realmente agadou-me, mas o prato era mexicano (quesadillas). Naturalmente eu andei comendo direitinho por aí, mas em restaurantes de gabarito, como o Tavern on the Green e a preços que valha-me-Nossa-Senhora. Apesar de altamente edible, o pico de galo e o sour cream que me fazem no Brasil é muito mais interessante. Gostei do negócio, mas devia ser a fome.

Na realidade, estava procurando o Carnegie Delicatessen que, segundo algumas conversas, era a bala que matou Kennedy em matéria de Deli. Fica, lógico, ao lado do Carnegie Hall. Não se deixe enganar pela aparência externa ordinária: o interior é mais ordinário ainda... Mas a comida é muito boa (FINALMENTE!). Experimente o sandwich de Pastrami 'home made' e depois me conte. A mesa que me deram (12) foi interessante para ficar viajando na arquitetura.

E o tempo, que vinha se comportando como um cavalheiro até agora, resolveu transformar-se em um rebelde sem causa. Começou a nevar de novo. Nada contra, antes pelo contrário.Mas que pelo menos seja neve decente e não estes flurries que derretem tão rápido e me encharcam a cabeça. O tempo ruim estragou minhas andanças de um lado para outro da ilha e corri para o hotel às 18h00, antes do previsto, portanto.

Felizmente o Birdland fica a menos de uma quadra do hotel. Então, foi o tempo de dar uma aquecida e tomar um banho rápido, antes de cair na noite! Os flurreis viraram uma chuva gelada e fina, mas correndo do Plaza passei quase incólume. Pedi para ser sentado (ui!) fazendo graça para a atendente, ganhei um sorriso e um lugar na fila do gargarejo... Hmmm... acho que agradei as batatinhas, como diria o comercial. O ambiente continua o mesmo de dez anos atrás: iluminação focada e direta sobre as mesas, para o palco e mais nada. Aqui o Jazz e o Blues são tratados com o respeito da música clássica e sempre são grandes intérpretes que se apresentam. Os instrumentos sempre são acústicos e o tratamento técnico é impecável. Antes da primeira apresentação, pedi meu Wodka Martini (shaken, not stirred) que aqui é excepcional.

A seleção da noite começou muito bem, conduzida por Joe Muranyi , clarinetista que tocou com Louis Armstrong e que agora é responsável pela The Duke Ellington Orchestra. Começamos a conversar no intervalo e, descobrindo minha nacionalidade (but I can't quite place your accent) revelou seu interesse pelo 'old fashioned brazilian Carnaval' (surpresa!) - enquanto expressão musical, bem entendido. Do alto de seus setenta e sete anos ia, ao concluir o show no Birdland, para outro show na 6th and 22nd. Isso é que é disposição. Tomamos mais um Martini e acabei por adquirir-lhe um CD, devidamente autografado com um 'all the best'. Fiquei todo prosa.

Para quem ficou curioso com a performance do primeiro ato, segue a lista:

1) Charleston (Louis Armstrong);
2) Tenderly (Billy Holliday);
3) Deeper Mouth Blues (Louis Armstrong);
4) I can't believe that you?re in love with me (J. McKew & D. Fields);
5) We're singing that music (Louis Armstrong, 1936);
6) Every Thursday (Duke Ellington).

Intermission

7) A Train (Louis Armstrong - medley);
8) Sloppy Joe (Benny Powell);
9) Shakespeare suite (Duke Ellington);
10) It don?t mean a thing (Louis Armstrong).

Apenas para registro: Deeper Mouth era um dos apelidos de Louis Armstrong. Daí o nome da música # 3.


Seguiram-se mais dois martinis e um Oreo Mudpie Cake para matar de inveja os amantes do chocolate. Decidi ficar para a segunda apresentação da noite, que era de uma 'jazz band' completa com seus vinte e tantos instrumentistas. Infelizmente, meu estado etílico não permite que as notas que fiz no resto da noite sejam de grande valia... a não ser que o Chico Xavier faça as honras e psicografe. Mas foi das melhores apresentações que já vi. Então, deixo à imaginação do leitor o final da noite de Jazz e blues em NY. Às duas da manhã, enquanto me arrastava, coberto de flurries, de volta ao hotel, novamente agradeci o fato do Plaza ser tão próximo do Birdland... :-)


The Lurker says: Only the guy who isn't rowing has time to rock the boat. (Jean-Paul Sartre)
A seguir o caderno XX (O sagrado e o profano)

agosto 14, 2005

The Lurker: Diário de uma Terra Estranha - Caderno XII: Surprise, it´s me again!

Recebi a segunda-feira de extremo bom humor... O frio continuava, sem neve agora, com céu claro e, com a cidade a meus pés, vamos ao que realmente interessava: trabalhar na tese. Em 1997, quando estava ainda às voltas com o mestrado fiz uma viagem com a idéia de dar uma espairecida e cujos frutos mais interessantes e efeitos perduram até hoje. Ocorre que, então, ao invés de re-fazer os diversos programas de índio disponíveis (Liberty Island, Empire State and the like) fui enfiar-me na NYPL, NYU, Columbia, CUNY e nas centenas de livrarias que enchem o Village. O pessoal que acompanhava minhs andanças não entendia nada: 'porque este não vai ao Bloomies?'. Bem, basicamente porque prefiro as Galeries Laffayete ou o El Corte Inglés. Mas isto é outra história.

Iniciei com uma andada brutal, da 42 até a B&N na 22nd com Lexington. Foi um pequeno erro de cálculo (de 20 quadras?): eu esperava encontrar uma estação do metrô em uma determinada esquina ? mas errei o lado da avenida. Como não encontrei a entrada, continuei andando... Nova Iorque faz isso comigo. Fico de tal forma absorvido com a diversidade de tipos humanos, de informação visual que, quando paro e olho o relógio já se foram várias quadras. Aí perco a vontade de enfiar-me debaixo da terra e prossigo.

A B&N da Lexington tem uma seção muito interessante sobre os temas que me interessam e, principalmente, no que tange aos livros textos, revende aqueles usados e bem cuidados por universitários. Os preços podem ser da ordem de 55% do preço de capa. Não é um negócio a ser perdido. Foram cerca de três horas de deleite acadêmico, escolhendo e desescolhendo uma infinidade de autores. Foram mais de US$ 300,00 em livros (o dólar estava a R$ 3,20, lembrem-se). O interessante é que, como pude provar minha residência no Brasil, tive um 'detax' de 5%. Pena que não aceitaram minha carteira da UnB como prova de ser estudante, pois aí o corte subia para simpáticos 15%... Pitty.

Você não tem a impressão, quando conhece o trabalho de alguém e lê uma publicação, que essa pessoa é um 'amigo' que está lhe contando uma história? Enquanto me perdia nos livros e sua ordenação cronológica, as evolução das idéias ia fazendo sentido em minha cabeça... e foi mágico. Recentemente tive um momento destes em uma conversa com um famoso pesquisador da área de multiculturalismo e diversidade chamado Gert Hofstede, um dos papas de seu campo. Mas isso também é para contar outra hora.

Já que estava animado para andar, agora, contudo, com diversos quilos de livros para carregar, segui descendo na direção de downtown para resolver uma solicitação de produtos de pintura na região de China Town. Não, não é minha parte favorita da cidade, exceto por uma loja de 'army surplus' em que nunca entrei, apesar de ter passado na frente uma dezena de vezes. E lá fui eu, rumo a Pearl e Canal Street. Nova Iorque é uma cidade padrão americana, com blocos e quadras muito bem dimensionados. Exceto justamente nesta região, que começa na altura do Financial district e desce até Battery Park. Basicamente este é o ponto em que a cidade começou, então a desorganização das ruas é mais interessante. Parece uma cidade dentro de outra.

A meio caminho comecei a ficar meio tenso, incomodado e chegando em Lincoln Square ( foto) dei por falta delas. Na medida que descia, a ausência se fazia cada vez mais pesada... Não que eu realmente tivesse alguma apreciação pelos dois monólitos de aço e concreto, mas a presença era algo, como direi, opressivo. Eram edifícios enormes e tome andar para se aproximar, mas elas não chegavam mais perto por causa disso. O fato de ter visitado a cidade cerca de seis meses antes do 9/11 não ajudava muito e, justamente tinha sido esta a ocasião em que havia conhecido Linda Rubey e Dick Dulancy que moravam perto da zona proibida, abaixo da 13th. Agora, era estranho... Pensei bem.... Não fui ao ground zero.

Uma pequena tontura lembrou-me que eram 13h00 e eu não tinha sequer tomado café. Starbucks para todos! Vamos pegar um Colombian Black com raspberrie muffins. Açúcar e cafeína. A expressão da cultura local. Como digo, quando em Roma, vira-se canibal.

Resolvidos os entraves na Pearl, metrô rápido de volta ao hotel e corrida sem parar para pegar a Biblioteca da Columbia aberta. Sucesso! Mais três horas de 'book-worming'! Centenas de autores! Discussão interessante com um professor incauto que resolveu conversar a cultura da América Latina... Mais um que sabia que a capital brasileira NÃO é B.A.... Eles estão progredindo. Já às 17h30 meus ingressos baratinhos (lá no ninho da coruja) para o Phantom tinham deviam ter sido deixados na Consiergerie, conforme eu havia instruído. Bem, vou poupar a descrição da 'longest play on Broadway' por dois motivos. Primeiro porque tem gente que faz isso muito melhor do que eu e segundo porque, certamente, está na lista de 'musts' de quem vai à Big Apple. Vá e veja é o meu conselho. Uma pena que o Les Miz tenha saído de cartaz: Cameron MacIntosh foi um hit astronômico. Apenas que foi uma apresentação sem falhas (mas sem surpresas nesta terceira vez). Pelo menos pude cantar lá de cima, junto com a japonesada que estava por perto... :-)

Enfim, um dia perfeito, mas cansativo after a fashion, tinha que terminar com meu amigo 'Ol' Blue Eyes'...

How About You?
Writer(s): B. Lane/R. Freed
Performer: Frank Sinatra

I like New York in June, how about you?
I like a Gershwin tune, how about you?
I love a fireside when a storm is due
.
How about you?
I like potato chips, moonlight motor trips, how about you?
I'm mad about good books, can't get my fill
And James Durante's looks give me a thrill
Holding hands in the movie show, when all the lights are low
May not be new, but I like it, how about you?

The Lurker says: Three o'clock is always too late or too early for anything you want to do. (Jean-Paul Sartre)
A seguir o caderno XIX (Nighty, nighty?)

agosto 13, 2005

The Lurker: Diário de uma Terra Estranha - Caderno XI: It´s up to you, Manhattan.

Um pequeno update do dia anterior: com a correria da saída de Philli, perdi TODAS as minhas chaves, que deixei sobre a cama no Marriot na hora do pânico. Inúteis tentativas de fazer com que as mesmas me fossem restituídas seguiram-se no decorrer da semana. Por hora bastou-me chamar o chaveiro do hotel que, com uma gazua, resolveu em menos de um minuto meu "padlock embarassement", destruindo minha fé nos cadeados da Papaiz. Ele era um alemão falante, o que é uma contradição em termos, mas faz parte do "melange" que é NYC. Fiquei assombrado com a velocidade dele e, feliz em não ter de estuporar minha bagagem, enfiei-lhe cinco dólares na mão.

Com o fuso (confuso) horário ainda virado, acordo as seis da manhã, hora local. Olho a janela e, pelas cortinas abertas, descubro uma fina camada de gelo formada no vidro, do lado de fora. Neve limpa, fina e suave havia se depositado nos telhados no decorrer da noite. Linda vista, sem dúvida, mas que provavelmente não sobreviveria além das 9h00.

Animado com o início de um domingo desta ordem, pulei em minha capa cinza, meu cachecol especialmente tricotado a uns tantos anos e voei porta à fora. Note-se que, pela idade e pela milhagem, esta capa poderia ir e vir sozinha de Manhattan, dado que me acompanha desde 1992. Atravessei a rua para a Deli em frente do hotel (a deles é lamentável e a estadia não inclui café). Quem se importa? Pedi um lox-creamcheese-bagel, um café e fui andar. Sim, a comida tem o gosto da embalagem. Sim o café veio em balde e via-se o fundo... yuck! Serviu para manter minhas mãos aquecidas no frio de 27º F das sete desta manhã modorrenta.

Naturalmente, ao nível do solo, a fina camada de neve, aonde esta sobrevivia, já estava pouco atraente e suja. Em alguns pontos, era lama pura, ou água suja, mas os transtornos que isso causa ninguém nunca conta. O caso é que, em um domingo, de manhã cedo, quase nada acontece em NYC, mesmo que a cidade nunca durma (deve ser um cochilo quando ninguém está vendo). E isso pode ser comprovado em Times Square que, sempre tão frenética, permitia inclusive sentar no meio da pista do entroncamento da Broadway.

Preferi, contudo, sentar-me no meio fio e, com meu café ao lado, fiquei ouvindo o silêncio, quebrado de vez em quando pelos ruídos da cidade ao longe. Que coisa mais improvável e, até certo ponto, impressionante... Uma visão diversas vezes tratada pelo cinema em filmes de holocausto, como "The Omega Man" ou, em breve passagem, no final de "Devil´s Advocate". Fui o próprio Charlton Heston por uma dezena de minutos de tranqüila meditação em um dos eixos da capital do mundo. Mixed feelings... Strange contemplations. music, courtesy of David Mann & Bob Hilliard (1963) by way of Mr. Frank Sinatra.

In the wee small hours of the morning
While the whole wide world is fast asleep
You lie awake and think about the girl
And never ever think of counting sheep

When your lonely heart has learned it?s lesson
You?d be hers if only she would call
In the wee small hours of the morning

That's the time you miss her most of all

Levantei-me e, com meu Sinatra na cabeça, segui para a Grand Central, passando pela NYPL (New York Public Library), um de meus edifícios favoritos em que, uma homenagem ao povo Brazuca permanece de pé em bronze eterno (desde 1958). Quer saber o que é? Vá ao jardim de leitura, na parte de trás e procure, ora (1)... :-). A GCS estava, igualmente, vazia... Charlton Heston e eu atravessamos na direção do subway e lá fui eu me entender com os novos cartões da Transit Autority que substituíram meus amados tokens...

Saco. Ocorre que você ainda tem que comprar o cartão nos quiosques e, depois, na medida do necessário, carrega-los nas "vending machines". Como nada disso é explicado, levei dez minutos para entender a dinâmica, cinco dos quais tentando fazer com que a vending machine aceitasse meu dinheiro, sem o cartão (2 pontos para o neanderthal, duh!).

Finalmente chegando ao MET pelas 9h00, das poucas coisas que abrem nesse período de tempo e dia, surpreendo-me com minha falta de sorte: a exposição de destaque é sobre a China (imperial, é verdade, mas um assunto que não me atrai nem um pouco). Volto minha preferência para uma coleção de bronzes franceses, cujo processo de manufatura está sendo cuidadosamente debulhado e esclarecido com o auxílio da tecnologia. Ponto para uma coleção de impressionistas, cronologicamente agrupando Monet, Matisse, Cezzanne, Degas, Pissarro e outros que não me recordo. Aprecio especialmente um Pissarro cuja reprodução tenho em meu escritório.

O início do almoço foi um DeSaStrE. Meu restaurante favorito foi transformado na extensão da seção estrusco-romana... Era um oásis, com certo requinte e charme, fugindo da multidão de nipônicos ensandecidos e suas câmeras nucleares de mil gigabites. Será que somente me restará a cafeteria e o "self service"? O Balcony Bar, ainda no inverno, somente funciona nas sextas e sábados e são uma boa pedida para o fim da tarde, quando se toca Jazz e clássicos. Boa acústica, tem o Main Hall.

Felizmente não. O Petrie Court e sua agradável vista do Central Park foi incrementado para pessoas que, como eu, não estão particularmente interessadas em sanduíches frios e coca a sete dólares. Recomendo fortemente a Bruschetta (servida com ovos pochês, presunto serrano, cebolas caramelizadas e batatas sautés, em molho holandês), acompanhada de uma taça de cabernet. Tudo a honestos dezenove dólares, plus gratuity.

Descobri o paradeiro de Ernest, o cavalheiro de bigodes à moda de Salvador Dali que era quase que uma marca registrada no antigo restaurante. Conta a lenda que fez o caminho que a Nanny gostaria de ver sua mãe tomar: mudou-se para a Flórida. Eventualmente retorna NY e mantém boas relações com sua antiga equipe no MET.

O resto do dia foi dedicado a atividades similares, como um de meus "personal favorites" a seção de armas e armaduras medievais. Afinal, na qualidade de colecionador de espadas e sabres, o processo de fabricação, conservação e outras coisas relacionadas a armas antigas interessa-me sobremaneira. Assim, fiquei sapeando uma apresentação de ?alto nível? dedicada a um grupo de especialistas franceses. Eles foram corteses (à sua maneira) e fizeram de conta que eu não estava lá. Ao final ainda pude conversar sobre "minhas dúvidas" (très mechant, ce mec, n´est pás?) com o guia, um francês de Marselha.

Enfim, às 18h30 peguei meu rumo, andando da quinta avenida de volta à meu canto, para encontrar uma Times Square como normalmente é retratada: esfusiante, agitada e repleta de gente. Grande o contraste entre o observado na manhã, com a multitude usual de turistas e domingueiros (você não odeia turista com cara de turista?). Eu, pessoalmente, não consigo olhar uma segunda vez para uma pessoa com boné "Eu "coração" NY".
Passei na deli, pedi um subway sandwich (com o eterno gosto da embalagem, o mesmo da manhã, agora com molho ranch) e fui para meu canto assistir Enterprise e subseqüências... já às 19h30 a noite não estava para mim e o (con)fuso horário jogava contra a torcida... Cya!

The Lurker says: Everything has been figured out, except how to live. (Jean-Paul Sartre)
A seguir o caderno XII (Surprise, it´s me again!)

(1) Ok, ok é uma estátua em tamanho natural de José Bonifácio de Andada e Silva, doada pelo governo Brasileiro em 1958.

julho 23, 2005

The Lurker: Diário de uma Terra Estranha - Caderno V: Porque? Achou que era só Sartre que perdia os livros por aí?

Dos dias de Philli levo as melhores referências do Franklin Institute (com uma interessantíssima exposição sobre o Titanic, apresentando diversos objetos resgatados do naufrágio e um "autêntico" pêndulo de Foucault) e do City Tavern, restaurante onde tudo é feito como em 1773 (mas, infelizmente, o bordeaux é 2001). Segundo o proprietário, eles fazem tudo, do pão aos vegetais, da maneira que era feita quando a cidade era pouco mais que um porto comercial. Este último realmente vale a pena, mas é também uma prova de que a culinária americana é uma droga desde o século XVIII - a carne só tem gosto se você jogar um molho (algo meio cajun, meio barbecue) em cima. O vinho fechou bem, mas não era californiano e sim francês. Enfim, recomendo mas aviso que o preço é um negócio meio assustador (US$ 90,00 com o dólar a R$ 3,20 - make your math). A companhia de Robin e Lois foi bastante interessante. Discutir pontos de vista de feministas estadunidenses a partir de uma perspectiva sul-americana foi, no mínimo, desafiador. That is not to be understood as a chauvinistic remark.

Na manhã seguinte, não surpreendentemente, quase que perco a hora! De meu simpático quarto, que dava visada direta para o relógio do city hall (foto), já vou perdendo meu vôo. Aliás, este defeito de imaginar horas estranhas para os aviões me acompanha a tempos e, desta vez, botei na cabeça que o vôo das 6h45 era pelo meio dia. Típico. Felizmente o fuso horário fez com que eu acordasse mais de uma hora antes e a ficha caísse. Contudo, de nada adiantou a correria e a pressa do taxista na direção do Philli 'international' porque tivemos que ficar esperando mais de 30 minutos pela imbecil da aeromoça que seria responsável pelo vôo. Sim, o avião não decola sem a figura e não, nem tudo nos EUA funciona como deveria ou sai no horário, como pensamos em Pindorama. De mais a mais, a tal criatura pediu para ser desagradável e entrou duas vezes na fila.

Fui conversando com um ex-comissário de bordo da Pan-Am que se cansou de seus compatriotas e mudou-se para o Canadá (todos os comissários tem que ser, digamos, afetados?). Dizia ter morado 'com seu namorado' no Rio de Janeiro e o papo agradável compensou a estupidez da American Airways. Aliás, eu queira enforcar quem me arranjou um vôo Philli-Washington-NYC. Nota mental: next time, take the train.

Os americanos sempre foram meio neuróticos, mas depois que viram dois aviões a baixa altitude no meio de NYC ficaram piores. Então, você tem que ficar sentado em sua cadeira a contar de 30 minutos da aterrissagem em Washington (e da decolagem, também, claro). É isso aí: melhor não ter dor de barriga, porque, segundo eles, 'se alguém levantar o avião volta'. Não sei para que tanta onda: o dia estava um lixo e a idéia de ficar rodando em cima da capital não agradava ninguém mesmo - talvez eu devesse ter ligado para o Soma, que pelo menos me faria companhia. Paciência - deixemos Washington de lado, que não é, no fim das contas o objetivo maior desta narrativa.

Enfim, Nova Iorque. O John Kennedy International nunca vai conseguir ser um aeroporto agradável. A chegada na 'capital do mundo' tem sempre um quê de rodoviária de São Paulo e nunca, nunca mesmo, está sem uma reforma. Quem faz reforma no meio do inverno, a dois graus centígrados negativos, meu Cristo? Se fosse em Lisboa eu entendia. Neste ponto cabe uma nota de esclarecimento. Já entrei em NYC de quase tudo que é jeito: de van, ônibus de excursão (yuck!), táxi, Lincoln Town Car, etc. Desta vez ia ser de busão mesmo (um tal de ônibus expresso) e tratei logo de procurar minhas melhoras (a US$ 15,00). Desta vez, também por escolha, fui sem reserva de hotel ou lugar para ficar, bem ao estilo 'vamos ver o que rola'. A foto ao lado é de uma instalação de Christo e sua esposa Jeanne-Claude (The Gates) realizada no Central Park.

No fim das contas, foi uma opção 'econômica' e os efeitos satisfatórios, apesar de ter que ficar esperando o ônibus no frio e de acabar crashing em um hotel já conhecido, que tem como principal atrativo ficar do lado do Majestic. Acho que o motivo principal da escolha foi ter andado dez quarteirões puxando minha mala e que a paciência com o frio já ia se esgotando - se bem que acabei por descobrir um canto que merecerá novos estudos (hotéis históricos - 44 com alguma coisa acima da Lexington). Com minha veia judia acesa, consegui um bom negócio de tarifa balcão e um quarto bem decente, com vista para, ora, vista para o nada... para a outra ala do hotel. Se bem que, se você se debruçace na janela, via um pedaço da Broadway. Só que as janelas são lacradas no inverno... O importante é que, finalmente, estava instalado e pronto para as novas aventuras da cidade que nunca dorme.

The Lurker says: Freedom is what you do with what's been done to you. (Jean-Paul Sartre)

A seguir o caderno VI (It´s up to you, Manhattan)

abril 13, 2005

The Lurker: Diário de uma Terra Estranha - Caderno III: Nem tudo que balança cai.

Depois de acomodado no Marriot, devidamente banhado e alimentado, mas ainda com o Jet Lag bafejando meus calcanhares, fui ao local do evento. Estes congressos nos EUA funcionam mais ou menos assim: selecionam um grande hotel para ser a base - onde as exposições vão ocorrer e os medalhões vão falar - e outros hotéis ao redor deste, para eventos menores (que podem ser até mesmo em suítes ou salas pequenas a depender da audiência esperada). Neste caso, além desta estrutura lançaram mão do centro de convenções de Philli que é, com o perdão da má palavra, monstruoso. Ocupa um quarteirão inteiro e tem três andares.

Foi somente aí que a ficha caiu: eu imaginava que o congresso era algo como estou acostumado no Brasil ou o outro que fui em Salt Lake City - algo em torno de seus dois mil participantes. Ledo engano: o da ASSA é muito grande (para meus padrões) e tinha algo próximo a dez mil inscritos. Gelei.

Minha fala era bem no meio do dia e, como estava lá de véspera, fui ver como era a sala que me foi designada. A dita era IMENSA... cadeira para todo lado... só de entrar deu taquicardia. E aí a insegurança bateu: tinha meia hora para falar para uma audiência enorme - e miseravelmente não tinha mais a certeza e convicção que levara comigo do Brasil. Can you spell panic attack? Voei de volta para o Marriot e para a segurança de minhas anotações e documentos. Desnecessário dizer que a noite foi passada em idas e vindas sobre a apresentação, enquanto maldizia a infeliz idéia de não ter levado meu notebook para alterações de última hora.

Para encurtar a história, no horário marcado lá estava eu. Apresentei-me à Dra. Peters, responsável pela mesa, e à Dra. Berkeley, sua assistente, que ficou interessadíssima no fato de eu ter vindo de tão longe. Informaram-me que meu tempo tinha sido estendido (ai meu Deus) porque o indiano que ia falar antes não comparecera... Enfim: tudo deu certo - passei meu recado, recebi sugestões, comentários e fiz contatos interessantes o que, no fim das contas, é o que interessa e o motivo dessas coisas. Infeliz (ou felizmente) caímos no time slot de um figurão e a sala imensa ficou a um terço da carga. Para mim, já era gente demais.

O mico da hora foi eu ter levado disquetes com a apresentação. Este tipo de mídia não se usa por lá a tempos e nem mesmo os computadores têm drives de 3,5''. O hit do momento são os "pen drives de 5Gb". Senti-me um neandertal. O bom e velho CD resolveu salvou minha cara e resolveu o que era necessário. Na foto ao lado, da esquerda para direita: Robin, Eu, Alisa Watt, Lois e Patricia Grace-Farfaglia.

Depois da coisa acabada fomos, palestrantes, mesa e mais umas cabeças coroadas, almoçar. Para os nativos eram apenas 13h00 mas para mim eram 16h00 e o JL estava mordendo a minha sombra - quase desmaiando de hipoglicemia. O grupo era muito animado e conheci o Dr. Eckers, o qual relatou ser ele o responsável pela sobretaxa no suco de laranja brasileiro exportado aos EUA desde o tempo da administração Reagan.

O caso é que a comissão do ministério do Comércio lá deles era composta por ele e mais cinco eleitos. Contudo, três dos postos estavam vagos quando o pedido chegou à área. Um dos três comissários restantes, por ser representante justamente do lobby do suco de laranja, declarou-se impedido. A votação então ficou no um a um, dado que o outro membro votou contra a taxa. Só que, lá no Tio Sam, quando uma decisão empata, ganha a proposta que seja mais favorável a ELES (lógico). Então, foi ele sozinho quem criou esta bagunça tarifária que perdura até hoje...

O Dr. Eckers disse que conhece bem o Brasil, esteve inclusive em Brasília, discutindo coisas importantes e emendou dizendo ser um historiador. "Certo" disse eu "mas a sua história é bloquear o meu suco!" Todos riram e completei "Mantenham-no afastado da minha soja!". Acho que o humor foi a forma mais elegante de mudar de assunto. Na realidade eu queria fulminá-lo on the spot, e virar herói dos citricultores brazucas. Apesar do papo do suco, a companhia era agradável e não tive que esclarecer que o Brasil não fica entre Gana e o Nepal, apesar das necessárias atualizações sobre o país. Ao final, o almoço foi a conclusão de uma manhã interessante e a nota triste permanece apenas para a comida estadunidense: continua com gosto de coisa alguma.

The Lurker says: Life begins on the other side of despair. (Jean-Paul Sartre)

A seguir o caderno IV (O velho Ben e a taverna da cidade)

abril 01, 2005

The Lurker: Diário de uma Terra Estranha - Caderno II (Miami - Philli)

Dormindo uma noite inteira com a cabeça pendendo, mesmo escorada na fuselagem, torna impossível escapar do torcicolo ao despertar. Como diria o gênio do Aladin "ten thousand years can give you such a crick in the neck!". Ninguém que tenha experimentado a classe executiva, como fiz em viagens a Manaus, Recife e similares, deixaria de sonhar com poltronas que reclinem um pouco mais... as desta lata de sardinhas não chegam sequer aos 35 graus (de angulação, não de temperatura).

Por conseguinte, o descanso não é repousante. A posição, contudo, é confortável o suficiente para que o vivente ressone até que, como de praxe, seja seqüestrado do sono inquieto pelo sacudir dos carrinhos de amenidades do café-da-manhã. Com o alvorecer festivo vem a triste descoberta de que meu temor se concretizou: a mal-amada acompanhou-me à aeronave.

- Deve ter não somente visto de entrada, mas também um greencard, resmungo, enquanto uma discreta dor nas têmporas começa a escalar para a fronte. Felizmente contentou-se com este tanto.

Aceito a lavagem que a American Airlines oferece e tenho o primeiro contato com a cultura estadunidense: o café aguado, com gosto de cinza e servido em baldes. Cristo, como será que eles tomam estas coisas? Não é à toa que andam tão mal humorados. Mas com a indesejável a martelar-me o crânio, não cabe discussão - toma-se o troço e espera-se um milagre.

Finalmente aterrisa-se. Vamos à temida imigração. Filas imensas para não estadunidenses. Gente falando um espanhol esquisito pelos alto-falantes (quando falam em inglês, dói mais ainda ao ouvido). Filas pequenas para os americanos, filas estas que, é preciso que se diga, andam bem rapidinho em comparação com as dos demais mortais. Eis que passam as alemãs do aeroporto, céleres em direção à fila dos nativos. Não posso deixar de pensar se Maurício e seus capangas teriam se divertido com a conversa fiada da noite passada.

Nisto noto que uma parte da ficha de imigração não está preenchida. Cáspite, e eu sem caneta. Cercado por um chinês e um chileno, fiquei tentando lembrar-me como se diz "esferográfica" (*) em castelhano, para tirar uma onda com o colega sul-americano. Mas quem disse que a memória facilitava? Acabei rendendo-me ao fato de que a esclerose se instala e pedi, o empréstimo em inglês mesmo. Seguem-se as perguntas de praxe, o olhar de enfado do "imigration officer Juarez", a identificação digital e foto (com barba por fazer e cabelo em desalinho? Falta de juízo...).

Saindo do estágio de uma hora na sucursal do inferno, vamos rápido e sem mais delongas pegar a conexão, certo? Errado. A paranóia instalada persegue os viventes, na forma de cães farejadores, revistas a bagagens e tratamento rude. E nós, que criamos tanto caso no Brasil, por muito menos... Assim que fiquei livre, corri rumo ao vôo para Philli como o beduíno sedento busca o oásis. Com efeito, o aeroporto de Miami continua a mesma bagunça dos anos 80.

Chega-se, finalmente, à Philadelphia somente para descobrir as maravilhas da Infraero: que aeroportozinho de quinta. Tudo bem, não é internacional, mas vão tomar banho: duas esteiras de bagagem e fim de papo? Sheesh - lá se vai mais uma hora. Em teoria devia haver uma van ou coisa que o valha (se segura, Ed. Motta), paga pelo congresso para levar os incautos ao hotel. Na prática, a teoria é outra: take a cab, take the bus, take a hike. Move it or loose it! E o taxista com cara de síndrome de abstinência e falando um Guetho incompreesível me escalpela em 35 verdinhas plus tip para deixar-me no Marriot. Ah, quer saber, deixa p'rá lá - estou cansado demais para discutir, preciso de um banho, comida de gente e um expresso. Mas victoria est intrare, como diriam os romanos. Dezoito horas depois da decolagem inicial em Bsb chego ao destino. Mas, como de hábito, nem tudo é como se espera que seja...

(*) tarde demais, lembrei-me da palavra: bolígrafo.

The Lurker Says: It is only in our decisions that we are important . (Jean-Paul Sartre)

A seguir o Caderno III (Nem tudo que balança cai.)

fevereiro 05, 2005

The Lurker: Diário de uma Terra Estranha - Caderno I

O título desta série de posts é um pequeno jogo de palavras com o livro (quase) homônimo de J.P. Sartre -Diário de uma Guerra Estranha, que se constitui no diário que este escreveu quando serviu o exército, como meteorologista, na Alsácia (de setembro de 39 a junho de 40). O diário se divide em vários cadernos e alguns foram perdidos a mais de meio século por um amigo de Sartre, em um trem. Destruídos, talvez, ou quem sabe a pessoa que os tenha encontrado prefira mantê-los ocultos... Foram publicados tão somente os de números III, V, XI, XII e XIV. Naturalmente, não se pretende aqui aquilatar este blogador ao gênio do existencialismo, mas apenas aproveitar uma idéia para uma situação que, mutatis mutandis, leva alguma similitude - o dia a dia na terrae incognita, a vida do soldado no "quase front".

Explico: desta vez fui meter-me em terras do Tio Sam, em um tempo em que estrangeiros por lá não são muito bem quistos. Há que se pensar se algum dia o foram, ou se o serão - este povo é estranho às vezes, mas fica mais abespinhado quando vira "corporation". De conclusivo sabe-se que lá os xenófobos gramam soltos. Aliás, eles andam mordendo-se uns aos outros, perdidos em um pesadelo paranóico imposto por uma mídia controlada e que conta à população o que o governo quer que ela saiba. Pobre país "livre e democrático", acuado por seus preconceitos e medos. Sua ignorância e prepotência o mantém refém de si mesmo.

Mas basta disto. Em síntese: como não tinha companhia nesta viagem, achei por bem comprar um caderninho e ir conversando comigo para depois poder conversar com os outros... afinal, de que serve a viagem sem um companheiro para dividir o pitoresco, o cômico e o desastroso? Esta idéia assaltou-me ainda no aeroporto de São Paulo, mas onde se compram essas coisas as vinte e uma horas? O que deu para arranjar, inicialmente, foi um bloco de "vales", destes que se usa quando não se tem troco. Pensei: "Se o diário não prestar, pelo menos isto poderá valer alguma coisa..." Infame. Mesmo em pensamento.

Este é meu convite para que você viaje comigo. A idéia é, portanto, transcrever os comentários mais ou menos da maneira em que eles se apresentam no original, como se fosse possível ler o que está lá, diretamente. Enfim, vamos ao que interessa.

Quarta-feira, 05 de janeiro de 2005

A viagem [BSB-GRU] começou muito bem, com toda uma fileira de seis poltronas do Airbus A330 só para mim. Nem em primeira classe se tem tanto espaço. Entretanto, o prognóstico da conexão para Miami permanece aterrador. Miami é o quintal brasileiro (e cubano, já que se tocou no assunto) da América e, segundo creio, não deve ter evoluído tanto assim desde a década de 80 quando lá estive pela última vez. Bem que pedi a conexão por Atlanta, que é um aeroporto que conheço mais ou menos bem. O embarque é à meia noite e isto não contribui em nada para a redução do estado de ansiedade.

Chegar a São Paulo foi a parte fácil e transcorreu sem sobressaltos. Apenas a mudança da sala Vip do Diners Club, que aumentou de tamanho mas ganhou três lances de escada para acesso. O que os arquitetos tem na cabeça? Vão gostar de produzir barreiras arquitetônicas assim no inferno. Como de praxe, aproveitei para fazer um lounging, ligações a quem de direito, checada básica de e-mails e um capuccino. Apenas para, mais tranqüilo, ir descobrir as novidades de Guarulhos.

A mais interessante é um "bar de rua" chamado On The Rocks (Terminal 2), cujo balcão abre diretamente para a área de circulação de passageiros, em frente ao embarque doméstico. Algumas mesas foram espalhadas também nesta calçada, o que torna o ambiente bastante agradável, como um bistrô americanizado ou algo assim. Maurício, o garçom responsável por meu bem-estar no balcão [eu sou louco por um balcão de bar] foi bastante solícito em trazer-me a primeira Heineken da viagem. Normalmente não bebo antes de voar - medo da ressaca que ataca na aterrissagem - mas fazendo isto antes da decolagem estou apostando minhas fichas em que a "maldita" não tem visto de entrada ou permanência nos EUA e que o Homeland Security Departement não vai permitir que fique mais esta "ilegal" por lá. Oremos.

A cerva desceu redonda, sendo seguida de uma irmã e por um misto quente honesto, enquanto Maurício e o "cabeçudo", seu colega, se desmanchavam para atender duas alemãs e seus bloody marys - cheios de boas intenções estes rapazes. Nisto a simpática trilha sonora que seguia o modelo de Stephane Poupognac (lembrando-me as catacumbas da Lutécia) é interrompido por um gaitista e sua banda, espremida no notebook cheio de MP3. Muito talentoso o cavalheiro e muito cioso de sua seleção musical: ao som de New York, New York pedi a terceira Heinny (a esta altura já estávamos mais íntimos).


Mais um tempo e quando, finalmente, ele descambou para o João Gilberto e seu "Lobo Bobo" decidi que já era hora de tocar o barco e ir ver o pessoal da Federal para cuidar de minhas coisas. Na passagem dei uma olhada "preemptiva" no freeshop. Nota mental: lembrar do Glenfiddich 15 anos, série especial, em promoção na Brasif.

Entrando no avião, [B777] o primeiro sinal de desconforto... minha poltrona fica do lado do banheiro - e reclina só até a metade porque bate na parede deste. Esqueça o sono desta noite. Bolas.


Eis que se aproxima um senhor e pergunta se eu me importaria em trocar de lugar com um amigo... mas não há sinal deste. Preocupei-me em perder minha janela que, banheiro ou não banheiro, sempre permite um conforto quando a gente se escora na fuselagem e dorme. Mas, droga, cedi o lugar pois realmente é muito mais interessante em uma viagem longa ir conversando com um amigo - e gostaria que, um dia, me fizessem o mesmo tipo de gentileza. Sem ter informação sobre o lugar do amigo, preparei-me para uma poltrona dessas de meio do corredor, espremido entre um pernambucano roncando e um adolescente inquieto...

Qual não foi, então, a surpresa de descobrir que trocara uma janela por outra, mas esta na primeira fileira, fronteira da classe executiva e com todo o espaço do mundo para esticar minhas pernas. Mais ainda, sem ninguém do meu lado... não entendi nada da troca que me pediram, mas agradeci minha sorte: não é todo dia que uma boa intenção não recebe uma paulada com recompensa. Belisquei a desculpa para jantar que a American Airlines serviu, virei para o lado e apaguei, algo satisfeito com o início da viagem.

The Lurker Says: Man is condemned to be free; because once thrown into the world, he is responsible for everything he does. (Jean-Paul Sartre)

A seguir o Caderno II (Miami - Philly)